quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Puta

- Alou?

Ninguém responde do outro lado.

- É você Jonas?

Ela já esperava o telefone mudo quando atendesse. Antes era menos frequente mas, ultimamente, quando o telefone tocava por volta das 3 da manhã, ela já esperava que apenas o som da própria voz seria o que ressonasse em seus tímpanos.

O nome dele na verdade era João Batista da Silva Moura, fato que ela nunca saberia. Para ela sempre seria Jonas. Ele era novo, tinha menos de 30. Além da idade não avançada, precoce mesmo fora seu casamento com 21 e seu divórcio poucos anos depois. Sempre fora pacato; o casamento não era uma má ideia para o estilo de vida que levava, mas a falta de empolgação talvez levara para o melancólico divórcio prematuro sem deixar filhos, pensão ou amantes envolvidos na história.

Um mês após a separação, João Batista resolveu se mudar para um apartamento menor. Além de poder economizar para alguma viagem que definitivamente não fazia parte de suas aspirações, ele não precisaria contratar uma diarista e poderia dedicar o tempo livre para limpar os móveis e manter seu mundo organizado. Aos poucos sua vida ganhara uma rotina agradável ao seu gosto nada exigente. Seus fins de semana eram  bem aproveitados com os documentários da Discovery e do National Geographic.

Com menos de um ano recluso, viera uma ideia em sua mente após uma tarde pacata na repartição. Depois do almoço, como costumava fazer, abria seu e-mail da empresa. O Serjão do almoxarifado havia mandado um e-mail com a propaganda de acompanhantes. João Batista riu por dentro e pensou ignorar. O cursor do mouse já se encaminhava para o ícone da lixeira quando uma moça lhe chamou atenção. Maria Helena era seu nome, mas isso João Batista nunca saberia, para ele seria sempre Myrella, o nome divulgado junto com suas curvas no anúncio. Encaminhou a carta eletrônica para o seu e-mail pessoal.

Já de noite, enquanto assistia um programa repetido de engenharia sobre alguma ponte marítima em construção em algum lugar da China, João Batista pensava em Myrella. Começou a suar tentando desviar o pensamento. Não resistiu. Pegou seu notebook e olhou o número. Digitou os números um pouco trémulo em seu celular. Faltou forças para clicar no botão verde e iniciar a chamada. Desligou a TV e foi para sua cama dormir.

Teve um sono inquieto. Acordou soado com a sensação de que dormira por apenas dez minutos. Seu relógio de parede marcava 2h59min. Procurou o celular e o número estava ali, ainda digitado. Sem pensar apertou o botão verde.

- Alou?

- Boa noite... Aqui é o Jo... - não queria dizer seu nome verdadeiro - ...nas. É a Myrella?

- Boa noite, meu bem. É a Myrella sim.

Foi a voz mais doce que escutou em toda sua vida.

Marcou as 19h do dia seguinte no motel Rosas da Paixão. Ele reservaria um quarto e estaria lá dentro esperando-a. Mas João Batista não teve coragem. Ficou na esquina em seu carro olhando a movimentação. Um taxi encostou no hora combinada na porta do motel. Maria Helena saiu com sua saia de borracha, salto alto vermelho combinando com o batom, decote generoso e uma expressão incrivelmente normal, mais convidativa para um café do que para um filme pornô. O taxi foi embora um pouco antes dela descobrir o bolo que levou.

Na mesma noite, por volta do mesmo horário da noite anterior, João Batista ligou pedindo desculpas e contando seus motivos. Contou-lhe sobre seu divórcio e sobre nunca ter saído com prostitutas. Na verdade, esses fatos, pouco lhe importavam, ele só queria ouvir aquela voz doce em seus ouvidos.

A partir de então, de tempos em tempos ele ligava para Maria Helena. Ela se divertia com a situação até levar mais dois ou três bolos ao marcarem um programa. Trocou de número para imensa tristeza de João Batista.

João Batista procurou em todos os sites relacionados ao estilo de vida de Maria Helena até encontrar o novo número. Ele faria de tudo para manter, pelo menos, esse relacionamento, o único que dera certo na sua vida até então, o único sincero e verdadeiro, o único em que o sentimento dependia apenas das palavras. Mas Maria Helena não estava gostando disso. Certa vez disse:

- Você não quer se mostrar pra mim por vergonha. Você tem vergonha de transar comigo porque eu sou puta. Jonas, nunca mais ligue pra mim.

Desde esse dia, João Batista voltou a viver de melancolia. Passou meses sem procurá-la. Agora ligava e ficava mudo no telefone para se saciar de migalhas com um simples "alou" pronto para conquistar mais um cliente carente e sedento de prazer. Maria Helena sabia que era ele, mas já tinha desistido de conhece-lo. Ela gostava dele, da carência dele. Ele gostava da voz dela.

- É você, Jonas?

Nunca mais houve diálogo. Nunca houve o encontro porque ela era puta.