domingo, 26 de setembro de 2010

Platônico

Pele clara como a luz do sol. Ou como lua em noite de namoro na praça. Cabelos finos e lisos, escuros como uma noite sombria, cuidadosamente amarrados em uma tentativa de coque preso por uma piranha e uma xuxinha em forma de fio de telefone. Olhos claros realçados pela clareza da face, deixando o azul da íris em um tom angelical. Óculos de armações grossas e de cor preta, cravejada com pequenos pontos brilhantes, deixando-a com um ar intelectual sem perder a sutileza dos traços finos. Gestos finos. Ao escrever, parece entrar em outro mundo. Suas crocs verdes ficam no chão enquanto as pernas ficam cruzadas sobre a cadeira. Uma franja lentamente cai sobre as lentes dos óculos de leitura, forçando-a elevar sua mão esquerda para repor a franja caída atrás da orelha em um gesto automático sem perder a compenetração em seu raciocínio. A mão direita serve de apoio a cabeça já um pouco cansada. Inspira. Como se já soubesse, mira o olhar diretamente para o olhar que a mira. O coração do antigo observador dispara diante do olhar da nova observadora. O acompanha. Sorri. Sorriso da boca retirado da lua minguante. Sorriso dos olhos retirado da obra machadiana. Poucos segundos de êxtase que passam como um filme em câmera lenta. Um arrepio o invade. O observador sente vergonha e desvia o olhar. Guarda o instante consigo para sempre. Sorri. O nome dela nunca irá saber.

domingo, 23 de maio de 2010

Peixes sonham?

Meu peixe boiava em seu aquário como se finalmente tivesse se livrado do fardo de sua vida: o aquário. Estava acostumado com aquela cena, meu peixe boiando e eu sem saber se ele estava vivo ou morto. Dei uma batidinha no vidro e ele começa a nadar assustado, assim como nós peixes da terra firme ficamos quando acordamos de um pesadelo. Não sei se era um pesadelo realmente; se fosse sonho, ele simplesmente nadaria com calma, leve, como se nadar fosse voar. Ou não, posso estar errado. O nado frenético significava que o sonho dele chegava ao fim e agora sim ele acordava para o pesadelo em que vivia. Talvez ele sonhasse com um rio infinito, onde poderia ser livre e sem limites. O meu alívio por ele estar vivo não passou de desespero pro pobre peixe que acabara de acordar. Peixes devem sonhar sim e o maior sonho do peixe que agora esta no meu aquário é simplesmente sair desta prisão e viver. A morte pode ser o fim mas também o início. Dormir é sonhar e viver é sonhar acordado com o rio infinito da liberdade, independência e felicidade.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Noite dos morcegos

Era festa a fantasia.

Ele tinha 12 anos e estava vestido se deu super-herói favorito, o Batman. Era a primeira festa que ele ia sem seus pais e ela estaria lá. Era sua chance, era agora que seria, seu primeiro beijo seria dado naquela noite, a noite da festa a fantasia.

Ela tinha 12 anos e adorava ir as festinhas com suas amigas. Como toda menina bonita e cobiçada pelos garotinhos de sua idade, sua fantasia não poderia ser menos que uma princesa. Não uma princesa qualquer, mas A Princesa. Sem dúvida era a mais linda da festa.

Ele estava ansioso para aquela que seria a festa que entraria para sempre em sua vida. Tímido, conseguia se entrosar pouco com seus amigos, com brincadeiras de criança mas já com malícias que antes não existiam. O lugar era amplo, cheio de árvores, parquinhos e esconderijos secretos que poucas pessoas saberiam. Nada melhor que brincar de se esconder em um condomínio horizontal fechado.

Ela estava mergulhada no tédio da falta do que fazer das amigas. Suas amigas queriam crescer antes da hora; era muita criancice querer crescer. Gostava de brincadeira de meninos, achava mais divertido que as brincadeiras de meninas, ficar parada não era com ela. A Princesa deixou para trás não um, mas dois sapatinhos e misturou-se aos meninos em suas brincadeiras.

Ele percebeu a deixa e sabia que o momento estava perto e claro que indicaria no esconderijo perfeito. O esconderijo perfeito porque seria só ele e ela em sua Batcaverna disfarçada de casinha de parquinho.

Ela confiava nele. Não sabia porque mas sempre achou uma graça aquele menino de sorriso tímido e de bochechas rosadas. Será que era só com ela ou sempre as bochechas dele eram rosadas?

Ele se aproximou, aquela era a hora. Como um jovem inexperiente fechou os olhos e fez um bico esperando encostar pela primeira vez seus lábios em outros lábios, assim como o Batman fez no filme.

Ela dessa vez não sabia se as bochechas dele estavam rosadas por conta da máscara. Se assustou com o movimento do até então tímido garoto. Sem perceber ela estava crescendo antes de suas amigas adiantadas.

Se beijaram tão inexperientes como poderiam ser para a idade e tão monotonamente como seria um beijo dado por um casal de 90 anos em camas de hospital. Mas o que importava? Era o primeiro beijo de dois.

Ele não acreditou no que fez e sentiu suas bochechas pegando fogo.

Ela não acreditou no que fez e fez as bochechas dele pegassem fogo com um tapa de uma menina em um menino em brincadeiras de criança e saiu correndo.

Ele ficou parado em sua solitária Batcaverna sem saber se ria ou se chorava, variando a mão da bochecha para a boca. Um beijo tinha acontecido. Uma derrota teria ocorrido? E deitado olhando para o céu percebeu os morcegos de seu estômago se agitarem como nunca; essa seria apenas a primeira vez em sua vida que os morcegos da noite apareceriam.